Quem define o sistema de produção é o mercado e não a vontade de quem produz

A questão é simples e pode ser definida com uma pergunta direta: dá retorno? Se der, será feito na sua fazenda ou em outra, independentemente das opiniões sobre o assunto

Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária

Em grupos de discussões relacionados à pecuária é comum surgirem desabafos contrários às mudanças nos sistemas de produção. Defensores de modelos com pouco aporte tecnológico classificam como ingênuos aqueles que buscam maximizar o desempenho produtivo em suas atividades. Segundo os críticos, tais produtores estariam a serviço das indústrias de insumos e frigoríficas. Chegam, inclusive, a negar o conceito de agronegócio, defendendo a tese de que agro é algo dissociado dos negócios. Mais equivocado que isso, impossível.

O raciocínio, muitas vezes defendido com a firmeza característica dos crentes, acaba até contaminando profissionais de grande exposição, que chegaram a dizer que o uso de alimentos concentrados na pecuária de corte seria o equivalente a transformar bois em porcos. Puro descuido com as palavras, mas o suficiente para direcionar muita gente no sentido da decisão equivocada.

Quem define o sistema de produção é o mercado e não a vontade de quem está produzindo. Se há possibilidade técnica de obter melhor rendimento por hectare, o mercado forçará os produtores a buscar; se há possiblidade de obter melhor rendimento dos animais, o mercado também forçará os pecuaristas a buscarem, e assim por diante. Ou o produtor se adapta ou acabará saindo da atividade.

A pecuária de corte já avançou muito, mas ainda tem um longo caminho pela frente. Hoje um pecuarista competitivo opera com produtividade média em torno de 30% em relação à média dos 10% mais produtivos identificados a campo. Esse número vem da média das últimas quatro edições do Rally da Pecuária.  Se usarmos o mesmo raciocínio para as culturas de soja, milho e cana-de-açúcar, identificamos que os agricultores competitivos estão operando com 75% a 90% da produtividade obtida pelos 10% mais produtivos.  É por essa razão que qualquer comparação financeira entre pecuária e agricultura precisa levar em consideração o padrão tecnológico. Imagine o resultado financeiro de um agricultor operando com um rendimento de apenas 30% em relação aos mais produtivos?

Essa comparação nos permite antecipar quais serão os níveis de exigência tecnológica a serem incorporados nos próximos anos. E não se trata de incorporar técnicas de centros de pesquisa ou de universidades, mas sim as que já estão a campo.

O peso médio da carcaça de machos abatidos, por exemplo, aumentou 67 kg entre 1990 e 2024, um ganho de 27,5% no período. As fêmeas foram na mesma direção, aumentando em 25,7% o peso final da carcaça, agregando outros 46,35 kg de carne com osso em cada animal abatido. E os animais abatidos pelo sistema federal de fiscalização pesam, em média, 10 kg a mais na carcaça do que a média de abate, que inclui os sistemas de fiscalização estadual e municipal.

E todos, machos e fêmeas, estão sendo abatidos mais novos quando comparados com anos anteriores. O desfrute do rebanho brasileiro, calculado em carne produzida sobre peso estocado em rebanho, avançou consistentemente durante o período, saltando da faixa dos 17,5% no início dos anos 1990 para os atuais 36,5%.  

Esse ganho todo é explicado por um conjunto de fatores que envolve genética, manejo, uso adequado de insumos para produção de volumosos, nutrição, sanidade, reprodução, infraestrutura etc. É um pacote que atua em conjunto para proporcionar tal avanço. A gestão é essencial para manter o equilíbrio de todas as dimensões técnicas que compõem o pacote.

Entender esse contexto é fundamental para que o produtor não incorra no erro de limitar o seu potencial.

Recentemente, durante uma palestra para pecuaristas, me perguntaram se o ideal seria optar por raças ou linhagens menos exigentes, que possibilitassem bom acabamento a pasto sem a necessidade de suplementação ou uso de outros insumos.

A intenção do pecuarista, nesse caso, era buscar um material genético que proporcionasse custos de produção mais baixos. Nesse caso, no entanto, seu raciocínio partia da análise sobre custos por arroba produzida.  Sem a necessidade do uso de insumos, produzindo com raças ou linhagens de baixa exigência, os custos diretos (alimentos, medicamentos, reprodução) por arroba produzida serão realmente menores, o que abre perspectivas de lucros maiores, comparando apenas os custos diretos e os preços recebidos. Mas essa tese é falha.

A questão que falta nesse raciocínio é: quantas arrobas serão produzidas por hectare? E quantas arrobas no total, e por hectare, são necessárias para pagar a soma dos custos indiretos e dos custos fixos da propriedade?

A análise para identificar o melhor sistema de produção depende da composição do custo direto por unidade de produção e do dimensionamento de recursos necessários para bancar os demais custos envolvidos na produção.

Para conseguir mais quilogramas de carcaças, ou arrobas, por hectare é preciso aumentar o orçamento com alimentos, insumos para pastagens e forragens, produtos de saúde animal e reprodução. O aumento da quantidade produzida possibilitará diluir, por unidade, os custos com colaboradores, combustíveis, manutenções, energia elétrica, administração, reinvestimentos necessários etc.

O raciocínio parece óbvio, mas ainda gera muita discussão no ramo pecuário, simplesmente por normalmente esquecer de incluir os diversos custos indiretos e fixos na contabilização do custo total, por arroba dos animais.

Voltando à questão das raças e linhagens, se o projeto estiver alicerçado em um material genético que limita o ganho com aportes crescentes de insumos, o sistema de produção será menos flexível e tende a ser mais vulnerável. Pode ainda ser lucrativo, mas deverá perder competitividade à medida que as exigências tecnológicas aumentam. 

Ironicamente, enquanto através da dinâmica financeira o mercado exige maior eficiência em produção de carcaças por parte dos produtores, por outro lado impõe limite ao peso final da carcaça enviada aos frigoríficos.

Dependendo do tamanho do animal abatido, pode até haver problema na linha de abate, ao movimentar as carcaças. Já houve relatos também de problemas trabalhistas relacionados aos pesos das caixas contendo alguns tipos de cortes. E, evidentemente, os próprios cortes gerados a partir de animais maiores podem acabar encontrando restrições no ponto de venda.

O maior exemplo, nesse caso, é a picanha. Entre os churrasqueiros e amantes de uma boa carne, é recorrente a opinião de que a picanha não deve ser maior do que 1,1 a 1,3 kg, sob risco de o consumidor estar comprando parte do coxão duro a preço de picanha. E essa informação é antiga – desde os anos 1970 – quando a picanha passou a ser comercializada separadamente da alcatra, tornando-se preferência nacional.

No entanto, trata-se de uma referência obtida a partir de um animal de 15@ a 16,5@ no momento do abate. Qual será o peso de cada picanha de um boi abatido com 22@, por exemplo? Provavelmente entre 400 a 600 gramas acima do que é considerado picanha pelos maiores entendedores de carne nos finais de semana, os churrasqueiros. Será difícil vender uma peça de picanha grande para este cliente, nem mesmo fatiando, sob pena dele acreditar que esteja sendo enganado.

Enfim, essa curiosidade mostra a importância da versatilidade no planejamento do sistema de produção. Uma raça, linhagem ou cruzamento pouco exigente nutricionalmente tende a ter um potencial de terminação com peso menor. O animal responderá à nutrição, mas terminará mais leve.  Se o sistema de produção for planejado para buscar precocidade e giro rápido, o animal pode se enquadrar. Mas veja que, no caso do fornecedor de bezerros, essa opção ficará limitada às estratégias dos compradores.

Com o crescente ágio do quilograma de bezerros sobre o de boi gordo, a tendência é que a maior parte dos compradores busquem animais com peso de terminação maiores, para compensar as relações de troca. Ao longo do tempo, essa exigência tende a desvalorizar a genética de baixo potencial de peso à terminação.

Por outro lado, a genética melhorada para alto desempenho não precisa ser levada, necessariamente, ao seu peso potencial. Basta adaptar a estratégia nutricional levando o animal ao nível de terminação desejado pelo mercado. No caso dos zebus, as opções melhoradas para alto desempenho ainda proporcionarão mais versatilidade nas diversas possibilidades de cruzamentos com animais de raças europeias, os chamados cruzamentos industriais.

A escolha das raças, ou linhagens a serem usadas nas propriedades, é um tema que sempre movimentou paixões na pecuária. As discussões acaloradas, por muito tempo, pecaram pelo excesso de subjetividade e pelo pouco embasamento técnico de olho nas tendências de mercado. Essa realidade mudou muito, mas ainda há quem defenda a necessidade de adaptar o animal ao ambiente e não ao mercado. Com tecnologias já disponíveis, é mais viável adaptar o ambiente às necessidades de um animal voltado às exigências do mercado do que seguir o caminho inverso.

E o tema é de extrema importância visto que o investimento em melhoramento genético é o componente tecnológico mais lento de ser implementado. Se é mais lento, é também o mais oneroso, proporcional ao valor dos animais dentro do negócio pecuário.

Por fim, é válido lembrar que investimentos precisam ser recuperados. Ao investir em melhoramento genético, o produtor deve se planejar, ao longo dos anos, para obter o máximo do que o material permite produzir. Caso contrário, além de não obter retornos proporcionais ao investido, o único resultado financeiro a partir de uma genética mal explorada será o aumento dos custos de produção.

Aos que ainda estão em dúvidas, basta voltar ao início deste texto para entender as razões pelas quais os resultados econômicos da pecuária são baixos em relação aos da agricultura. Trata-se da diferença tecnológica em que ambas as atividades são conduzidas.

É por essa razão que a agricultura avança sobre a pecuária, em duas formas distintas: pela substituição da atividade ou por projetos de integração a partir de fazendas agrícolas, e não pecuárias. Em ambas as situações, ocorre o aumento da pressão tecnológica sobre a pecuária, seja ela conduzida em integração (minoria) ou como atividade exclusiva (maioria).

De nada adianta discutir se capim é uma planta pouco nobre para receber adubação ou se os animais ruminantes precisam ou não de alimentos concentrados. A questão é mais simples e pode ser definida com uma pergunta direta. Dá retorno? Se der, será feito; na sua fazenda ou em outra, independentemente das opiniões sobre o assunto.

O que vale são os fatos embasados na ciência, tanto a técnica como a econômica.

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