Pecuária regenerativa e a confusão entre propostas e realidade

Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária

A expressão agricultura – e pecuária – regenerativa ganharam espaço nos últimos anos, atraindo a atenção de diversos articulistas que, mesmo leigos sobre produção rural, exercem forte influência na opinião pública em relação ao agro.

Embora o uso frequente da expressão seja relativamente novo, o conceito técnico por trás da produção regenerativa não é. O sucesso da agropecuária tropical brasileira só foi possível a partir das práticas que viabilizam os objetivos almejados pela produção regenerativa.  

Em sua passagem pelo Brasil, em 2006, o engenheiro agrônomo norte-americano Norman Borlaug, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1970, destacou o diferencial das práticas agropecuárias do país, mencionando a melhoria do ambiente produtivo através da produção. Era algo que proporcionava uma inovação na forma de fazer agricultura no mundo.

Nessa ocasião, o “pai da Revolução Verde” reconhecia, publicamente, os resultados práticos do que seria posteriormente chamado de agricultura (ou pecuária) regenerativa. Nada mais é do que a soma das boas práticas agronômicas, florestais e zootécnicas, ensinadas e implementadas há décadas no Brasil.

Resumidamente, o conceito envolve técnicas de cultivo que melhoram todos os atributos do solo, do ponto de vista químico, físico e biológico. Os benefícios são inquestionáveis, seja pelo ganho ecológico, como pelo produtivo. Essa conclusão reúne leigos, ambientalistas e especialistas em produção rural em torno dos objetivos da produção regenerativa.

A confusão começa quando se discute como atingir os objetivos. Enquanto na agricultura o conceito está bem definido do ponto de vista técnico, na pecuária há uma certa confusão que leva a propostas capazes, inclusive, de induzir a práticas causadoras do efeito inverso ao que se deseja.  

Rodrigo de Araújo Rodrigues, engenheiro agrônomo conhecedor do tema, resumiu informalmente o conceito como “fazer sempre melhor do que se fazia anteriormente, pensando em todo o sistema de produção”. Assim, o conceito envolve a melhoria de todos os componentes de solo, das condições de trabalho na propriedade, do equilíbrio no balanço de energia entre os inputs e outputs, assim como no balanço de carbono.

De forma equilibrada e viável, o sistema oferece ganhos de produtividade, que irão proporcionar incrementos nos indicadores ambientais. E quanto mais ricos forem os atributos ambientais do solo, melhores serão as condições para obtenção de produtividade, formando um círculo virtuoso que beneficia e atende todas as dimensões da sustentabilidade.

A produção regenerativa não deve perder de vista o lucro da atividade como objetivo, enquanto aprimora todos os indicadores ambientais e produtivos envolvidos no sistema. Os lucros, por sua vez, tendem a ser maiores à medida que a produtividade aumenta, acompanhando o incremento de receitas obtidas por unidade de área. Quanto mais sofisticado o sistema de produção, maior a dependência de uma boa gestão.

Práticas já consagradas e recomendadas há décadas envolvem plantio direto, manejo integrado de pragas, intensificação de pastagens, integração entre pastagens e lavouras, sistemas agroflorestais, sistemas silvo pastoris etc. São inúmeras combinações ou sistemas que se enquadram, tecnicamente, no conceito.

No caso das pastagens, que ocupam a maior área utilizada pela agropecuária no Brasil, é possível enumerar diversas técnicas que podem frear o processo gradual de piora da produtividade, seja pela intervenção imediata ou lenta, revertendo completamente o processo de degradação. Com isso, ao invés de a produtividade cair ao longo dos anos, ela passa a aumentar. Quaisquer técnicas que possibilitem atingir todos os objetivos compõem o conceito de produção regenerativa.

Para implementá-las é preciso estabelecer o diagnóstico das áreas com análises físicas, químicas e biológicas (mais modernas) do solo, avaliação de presença de pragas e invasoras e análises das condições climáticas para produção. A partir do diagnóstico, serão utilizados os conhecimentos para correção, fertilização, organização das operações, tratos culturais etc.

Todas as técnicas envolvidas possuem respaldo científico e constam nas grades curriculares das entidades de ensino de ciências agrárias no Brasil. Não são novidades recentemente descobertas.

Também não são novidades as práticas relacionadas ao uso de insumos biológicos, compostagem, adubação verde, inoculantes, bioestimulantes, metabólitos e diversas outras estratégias e produtos cada vez mais comuns na agropecuária. E, da mesma maneira, são pesquisados e ensinados nas universidades.  Sempre que possível são técnicas recomendadas, mas não atendem toda a necessidade da agropecuária tropical.

E aí nasce parte das confusões sobre o assunto.

O objetivo de se buscar soluções biológicas e investir em economia circular na produção é aprimorar a eficiência do uso dos recursos, com foco na produtividade e nos resultados. Em solos, por exemplo, o uso combinado de fertilizantes minerais com adubação verde, ou orgânica, tende a proporcionar resultados crescentes a médio e longo prazo. Os incrementos nos resultados se explicam pela construção da fertilidade do solo.  

Isso vale para a adoção de microrganismos e metabólitos que podem auxiliar no controle de pragas ou invasoras e na absorção ou solubilização de nutrientes presentes no solo, ou em materiais naturais que possam ser usados.  

No entanto, a estratégia de adoção dessas práticas deve ser técnica e não ideológica.

De uns tempos para cá, infelizmente, começou a surgir a crença de que a pecuária regenerativa deve evitar, a qualquer custo, a adoção de insumos químicos ou de fertilizantes minerais. Muitos defendem essa tese embasados em desinformações sobre o uso de insumos ou em teorias conspiratórias relacionadas às indústrias fabricantes.

Estão enganados. Trata-se de uma má interpretação, que difunde argumentos em defesa de uma pecuária com aporte limitado de tecnologia.  

A redução da dependência de insumos externos será consequência de práticas adequadas de produção. Reduzir essa dependência rifando a produtividade não é uma opção tecnicamente embasada. O objetivo é melhorar e não piorar.

E as consequências de uma abordagem equivocada podem ser danosas ao equilíbrio do sistema de produção, o que pode ser exemplificado pelo caso de biofertilizantes.

Dependendo do material que irá compor o biofertilizante, seu uso será limitado pela distância entre origem e destino e pela logística operacional de aplicação. E ambos serão definidos pelos teores de nutrientes disponíveis às plantas, de forma imediata ou por liberação lenta.

Caso essas questões não sejam observadas, a aplicação de um biofertilizante pode ser muito menos sustentável do que a de um fertilizante mineral. E essa insustentabilidade relativa estaria relacionada à demanda por combustíveis fósseis para transporte e aplicação. Ou, em outro caso, pela redução da produtividade.

Observe que não é um argumento contra o uso do biofertilizante, mas sim sobre a necessidade de considerar a energia demandada na sua aplicação.

Isso vale para qualquer outro componente biológico ou originário de economia circular. É preciso analisar, tecnicamente, cada situação para que não acabe colhendo resultados contrários ao que se pretende.

É preciso também considerar o efeito benéfico dos insumos industrializados. No caso das pastagens, por exemplo, a quantidade de folhas remanescentes, somadas às raízes formadas em sistemas adubados, é extremamente eficiente em acumular carbono na superfície e em profundidade do solo.

Portanto, ao buscar altas produtividades na pecuária, a partir do uso de fertilizantes minerais associados aos defensivos químicos nas pastagens, o produtor contribuirá com a disponibilidade de matéria orgânica no solo, atendendo aos diversos preceitos da adubação verde, inclusive, acumulando carbono.

Por outro lado, se houver descuido com o planejamento logístico de um sistema baseado apenas no uso de biofertilizantes, o resultado poderá ser menos eficiente em remoções de carbono, justamente pelo fato de a quantidade de combustível fóssil (diesel) para transportar e aplicar os produtos ser muito maior.

Ao longo dos anos, a tendência é que os produtores tenham, à sua disposição, cada vez mais soluções biológicas. Mas é preciso que venham amparadas por pesquisas e aplicadas de forma adequada a cada situação. Caso contrário, o resultado será imprevisível.

Por essa razão os assuntos técnicos precisam ser tratados através do pragmatismo da ciência.

Ao defender modelos que limitam a eficiência produtiva e econômica na pecuária, os envolvidos estão prestando um desserviço em termos de produção sustentável. Se o modelo preconizar uma produção maior do que o ambiente natural tropical permite, a qualidade do solo vai piorar, colapsando o sistema e iniciando o processo de degradação.

Caso a produção seja limitada ao potencial do solo, serão as dimensões econômica e social que colapsarão ao longo dos anos.

Recomendar modelos menos produtivos levará a uma pecuária menos regenerativa do que os modelos considerados convencionais, desde que sejam tecnicamente embasados de acordo com os padrões tropicais. E, vale frisar, a produção tropical brasileira já é diferenciada e regenerativa, como lembrou o Borlaug, com outras palavras.

Como sempre temos feito questão de ressaltar, a importância da pecuária no debate de sustentabilidade tem atraído muitos pesquisadores de outras áreas para escrever e opinar sobre o assunto. Usam de suas credenciais, merecidamente obtidas em suas especialidades, para discorrer sobre temas que não conhecem a fundo. Trata-se de um perigo que tem alimentado o comércio de soluções fáceis na pecuária brasileira.

A má interpretação do conceito irá atrasar a implementação de práticas realmente regenerativas. É uma ironia dolorosa, mas muito comum quando leigos opinam, como especialistas, em discussões técnicas.

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