Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária
Recentemente, o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu reduzir as exportações de carne para controlar a inflação por meio do esperado aumento da oferta no mercado interno. O raciocínio não é novo e, também, não é raro. Mesmo diante de tantos fracassos causados por decisões parecidas, propostas como essa são apresentadas com frequência no Congresso ou discutidas na imprensa.
É fato que houve um recuo no consumo per capita de carne bovina no Brasil. Entre 2018 e 2022, estatísticas analisadas a partir de dados do IBGE mostram queda de 5,2 kg na quantidade de carne bovina disponível para cada brasileiro. O diagnóstico é incontestável e a solução parece simples, conforme sugestão do presidenciável. Mas é preciso compreender o contexto para evitar que soluções trágicas sejam formuladas.
Entre 2018 e 2019 o mundo começou a sofrer as consequências da peste suína africana, que atingiu os rebanhos de suínos da Ásia e afetou a produção de seus países, principalmente da China. O impacto foi considerável, provocando uma queda imediata de 9% na produção global de carne suína. Em quantidade, a queda na produção foi de 10,9 milhões de toneladas, um montante 50% maior do que a soma das exportações brasileiras anuais das carnes bovina, suína e de frango. O comércio mundial reagiu de imediato, elevando a demanda por todas as proteínas disponíveis.
Enquanto o mundo se preparava para lidar com a queda na oferta de proteínas, um novo desafio ainda maior surgia no horizonte. A pandemia impactaria ainda mais os preços das proteínas, dificultando a logística e, consequentemente, atrasando o aumento da oferta. Depois de dois anos de pandemia, com as campanhas de vacinação avançando e a vida voltando ao normal, a Rússia invade a Ucrânia trazendo uma nova variável negativa para um cenário já incerto. A consequência de todos os fatores somados é uma pressão inflacionária no mundo todo.
No Brasil, no caso da carne bovina, o desafio seria ainda maior. Todo o cenário se desenvolveu no momento que o ciclo de preços da pecuária passava pelo período de alta, tendência potencializada pelo aumento de demanda. Em 2021, considerando valores reais, os preços médios do boi gordo atingiram os patamares mais elevados desde a consolidação do Real.
O resultado foi inevitável. Enquanto os preços nominais das carnes suína e de frango, ao consumidor, aumentaram cerca de 45% e 55%, respectivamente, entre os anos de 2019 e 2022, o preço médio da carne bovina (considerando todos os cortes) subiu 72%, consequência do recuo na disponibilidade per capita no mercado interno.
É evidente que, se houvesse restrição nas exportações de carne, o mercado interno ficaria com maior oferta, impactando negativamente os preços de venda, o que seria repassado ao consumidor. Isso não se questiona. O que precisa ser respondido é: por quanto tempo o mercado ficaria sobre ofertado? E qual impacto negativo dessa decisão para a economia?
Com quase nenhum esforço, a resposta pode ser encontrada na vizinha Argentina. Em março de 2006, os jornais noticiaram que o governo argentino restringiria as exportações de carne bovina para controlar a inflação no mercado interno. Na época, o mercado estava em alta pela ocorrência de gripe aviária que também atingira os mercados asiáticos, principalmente.
Com o recuo de quase 25% nas exportações anuais, os argentinos realmente gozaram de um curto período de maior disponibilidade de oferta. Entre 2007 e 2009, a disponibilidade de carne bovina para cada habitante subiu da média de 63 kg/pessoa/ano para 67 kg/pessoa/ano. No entanto, as consequências dessa decisão imediatista foram traumáticas para a população. De 2010 em diante, a disponibilidade per capita de carne bovina – que nunca mais voltou aos patamares anteriores – vem caindo de forma ininterrupta. Atualmente, a quantidade de carne bovina disponível para o consumo de cada argentino é de 47 kg/ano, quase 25% abaixo do disponível antes da decisão implementada em 2006. Na virada de 2021 para 2022, o governo argentino reeditou a mesma decisão que já havia se mostrado trágica para a população.
Assim, uma questão pontual, que seria resolvida em poucos anos a partir do investimento privado em produção, transformou-se em um problema que levará décadas para ser solucionado.
A sugestão também pode ser contestada por um exemplo inverso, e recente, ocorrido no próprio Brasil. No primeiro momento, após a queda da oferta global de proteínas, o maior impacto no mercado interno ocorreu para a carne suína, cujas exportações brasileiras aumentaram quase 60% entre 2018 e 2020. O aumento nos preços estimulou também o aumento na produção.
Entre 2018 e 2021, o volume anual produzido aumentou 2 vezes mais do que o total exportado. Nos últimos dois anos, o aumento na disponibilidade de carne suína ao consumidor foi maior do que o ocorrido nos cinco anos anteriores.
O mesmo comportamento está ocorrendo na produção de carne bovina, também estimulada pelo desempenho das exportações. No entanto, o resultado é mais lento, tendo em vista o ciclo de produção muito mais longo do que o da carne suína. Em 2022, as estimativas já apontam para um aumento de 5% a 8% na produção. A disponibilidade, no entanto, deve voltar a crescer apenas a partir de 2023.
A expectativa é de que as fazendas de pecuária de corte aumentem o ritmo de aplicação de tecnologia na produção. Até 2030, apenas em aumento de produtividade, espera-se que os produtores invistam, anualmente, entre 2 e 3 vezes mais do que o investido na média dos últimos 10 anos.
Restringir as exportações de carne bovina quebraria esse estímulo que certamente contribuirá para o aumento de oferta. E as consequências desse ato seriam ainda piores, impactando empregos e toda a renda gerada a partir das empresas e negócios que se relacionam com a produção de carne.
Não é um caminho muito inteligente a ser percorrido. É imediatista e irresponsável.