Ao contrário do que muitos alardearam, houve otimização dos sistemas de produção, com o peso do bezerro desmamado no Mato Grosso do Sul saindo de 175kg no início da série histórica, em 2001, para 212kg nos últimos 12 meses
Por Maurício Palma Nogueira
Gente dedicada a profetizar o fim dos tempos nunca escasseia. Desde os primórdios da humanidade, alardear catástrofes parece ser um bom negócio. E mesmo diante de tantas profecias não confirmadas, parece que o Homo sapiens se recusa a aprender.
Há cerca de 15 anos, por volta de 2008, discutia-se o temido “apagão dos bezerros”. O receio era de que a falta de atratividade da atividade de cria (produção de bezerros) estrangularia a produção pecuária, inviabilizando-a. Os primeiros sinais seriam as relações de troca ficando abaixo de dois bezerros comprados com a venda de um boi gordo.
Tradicionalmente, e por razões técnicas e comerciais, considera-se o peso de 16,5 arrobas (@) para o boi usado nesse cálculo. São 247,5 quilos de carcaça (carne com osso) comparado a um bezerro recentemente desmamado.
Para refutar o alardeado colapso da pecuária, lançávamos mão de conceitos supostamente óbvios, argumentando que o estímulo gerado com a valorização dos bezerros mudaria os indicadores zootécnicos e levaria a produtividade pecuária a outros patamares. Pouco adiantava e, via de regra, a resposta era contundente: se o boi passasse a valer menos do que dois bezerros, a pecuária se tornaria inviável.
A média histórica dessa relação de troca, de meados dos anos 1950 até o momento, é próxima de três bezerros comprados com o valor de um boi de 16,5@. O indicador, que oscilou entre 3 e 4 animais nos primeiros anos de acompanhamento dos dados, atingiu o seu maior ponto em janeiro de 1977, quando o valor de venda de um boi gordo se igualou ao de 5,62 bezerros desmamados.
O poder de compra médio do boi gordo, quando comparado ao bezerro, vem caindo consistentemente, embora aumente em alguns momentos; são movimentos típicos do mercado de acordo com oferta e demanda. E continuou assim mesmo depois do alarmismo daquele período de 2008.
A partir de meados de 2014, a relação de troca abaixo dos dois bezerros com a venda de um boi gordo começou a ser mais frequente. Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2020, pela primeira vez, a média quinquenal ficaria abaixo de dois, registrando 1,93 bezerro desmamado com a venda de um boi gordo.
A partir de 2019, no entanto, os preços pecuários mudaram de patamares, respondendo a uma realidade de oferta e demanda muito diferente do que vinha ocorrendo em anos anteriores. Os valores médios nominais do boi gordo e dos bezerros quase dobraram em relação aos preços de anos anteriores.
Ainda assim, a relação de troca média continuou recuando, marcando cerca de 1,77 bezerro desmamado com a venda de um boi gordo entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2023.
Para administrar esse comportamento, as fazendas de gado no Brasil responderam conforme esperado. Em 15 anos, o peso médio dos animais abatidos, tanto machos como fêmeas, aumentou 17,5%. No estado de São Paulo, onde os dados históricos foram analisados, o peso médio do boi gordo abatido está próximo das 20@, ou cerca de 300 kg de carne com osso.
O maior peso de abate compensa a perda na relação de troca, causada pelas mudanças no valor de mercado de ambas as categorias (boi gordo e bezerro). Entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2023, a relação de troca média, considerando o peso real de venda da carcaça, permaneceu em 2,18 bezerros desmamados comprados com a venda de um boi gordo.
E o peso do bezerro vem aumentando. Em 20 anos, o bezerro desmamado ganhou quase 40 kg de peso vivo. Na média dos últimos 12 meses, incluindo os primeiros dias de fevereiro, o bezerro desmamado no Mato Grosso do Sul foi comercializado com peso médio de 212 kg. O estado é a referência do Cepea/ESALQ/USP para o cálculo do indicador de bezerros. Na média histórica, a partir de 2001, o peso ficou em 190 kg por cabeça. No início da série histórica, os bezerros machos pesavam cerca de 175 kg de peso vivo.
Os indicadores respondem a estímulos econômicos. Havendo tecnologia disponível, os produtores irão otimizar os sistemas de produção buscando o máximo retorno econômico.
A sensação de apagão de 15 anos atrás era provocada por uma forte mudança na estrutura da pecuária brasileira. Naquele momento as fazendas começaram a enxugar os elevados estoques de animais de categorias intermediárias, dando início a um processo de aceleração tecnológica na produção. Nas análises históricas da Athenagro, o período compreendido entre 2001 e 2008 é classificado como período de desestímulo tecnológico, que dá lugar a um período de transição, entre 2009 e 2014, para finalmente iniciar o período de estímulo tecnológico a partir de 2015.
Em 2008, portanto, iniciava-se um novo momento na produção. Diante das mudanças, alguns alardearam o fim da pecuária e outros planejaram melhorar o sistema de produção. Quem se capitalizou mais no período?
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária