O Brasil tem um problema na geração dos dados primários sobre rebanho

Autor: Fábio Moitinho, Agrage Análises e Tendências

Recentemente o IBGE divulgou mais um recorde do número do rebanho bovino brasileiro. No ano de 2022, o crescimento foi de 4,3% ante 2021 e o rebanho chega a 234,4 milhões de cabeças.

Os dados fazem parte da Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), divulgada no dia 21 de setembro pelo órgão.

Entrevistamos o engenheiro agrônomo Maurício Palma Nogueira, sócio-diretor da consultoria Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária.

Ele é um dos consultores mais experientes no País no mercado pecuário brasileiro e não acredita nessa quantidade de bovinos no Brasil. Confira na entrevista:

AGRAGE – A cada ano, o rebanho bovino brasileiro bate um novo recorde, segundo o IBGE. Por que esse número tem tudo para não ser o real?

MAURÍCIO PALMA NOGUEIRA – O Brasil tem um problema na geração dos dados primários sobre rebanho, que acaba por gerar uma grande diferença entre as estatísticas do próprio IBGE (Censo e Pesquisa Pecuária Municipal).

A principal causa dessa diferença entre os dados é a combinação entre a realidade da produção nacional e o critério adotado para calcular o nível de produtividade das fazendas.

Para atender as exigências do grau de eficiência de exploração da terra, para fins de avaliação da produtividade do imóvel rural, o produtor acaba mantendo o registro de um rebanho maior do que realmente existe.

Isso ocorre porque, ao invés da produtividade, o critério se baseia em ocupação por unidade animal. E a classificação do peso médio do animal, ou seja, sua conversão entre cabeça e unidade animal, é feita pela idade.

Pelo critério adotado, e considerando as regiões de maior concentração pecuária, o estoque médio de uma fazenda que termina todos os machos abaixo dos 36 meses de idade será avaliado com índices de produtividade 25% menores do que fazendas que abatem animais acima dos 36 meses.

A situação piora ainda mais em fazendas que abatem animais com até 24 meses. Nesse caso, a produtividade média do rebanho será considerada 50% abaixo daquela propriedade que abate animais com mais de 36 meses de idade.

Com a evolução da produtividade na pecuária, o rebanho brasileiro tem sido abatido cada vez mais jovem e com maior peso médio da carcaça. Os estoques de animais improdutivos com idade mais avançada também foram reduzidos.

Mesmo assim, esse ganho de produtividade não é identificado pelo critério obsoleto de acompanhamento do grau de ocupação.

AGRAGE – Na sua avaliação qual seria o número de bovinos em 2022 e o que fundamenta teu raciocínio?

NOGUEIRA – Para fins de cálculos do rebanho, o critério mais sensato, sem deixar de usar dados de fontes oficiais, é analisar a evolução do rebanho usando a pesquisa pecuária municipal a partir da base censitária de 2017.

Desde 2021, a Athenagro tem divulgado o rebanho de acordo com a metodologia que considera as variações da PPM (Pesquisa Pecuária Municipal) a partir do Censo (IBGE, 2017), somada de 50% do rebanho abatido, segundo a PPT (Pesquisa Pecuária Trimestral). Fazemos isso para cada município do País e chegamos a duas informações básicas.

Em 2022, por exemplo, ao contrário das 234 milhões de cabeças anunciadas pela Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE, o rebanho médio do ano teria oscilado entre 192 e 207 milhões de cabeças, dependendo do mês que se avalia.

AGRAGE – Quais distorções um número superestimado traz para o mercado de produção de carne bovina?

NOGUEIRA – Dificulta as projeções e dimensionamentos do setor privado e dos órgãos públicos. É essencial conhecer o tamanho do rebanho de forma mais assertiva, o que possibilitará formular decisões mais adequadas a cada situação.

AGRAGE – Além do Brasil, quais outros países possuem números superestimados?

NOGUEIRA – Embora eu não tenha como comprovar, acredito que o rebanho da Índia também esteja superestimado ou duplamente contabilizado quando se soma bovinos e búfalos. Os dados de produção de carne e áreas de pastagens são incoerentes com o tamanho do rebanho.

AGRAGE – O Uruguai seria um bom exemplo de acompanhamento do rebanho de bovinos? Haveria possibilidade de um dia termos um sistema semelhante ao deles?

NOGUEIRA – Sim, o Uruguai é um bom exemplo. Mas é essencial levar em consideração as particularidades de ambas as realidades.

A formação da pecuária brasileira ocorreu de forma muito diferente da que foi feita no Uruguai. Soma-se a isso as enormes diferenças territoriais e de culturas em cada Estado de relevância pecuária.

Sendo assim, apesar de consistir em um bom exemplo, é preciso considerar essa diferença de realidade.

Fonte: @agrageanalisestendencias, 16/10/2023

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